Diálogo de saberes: entrevista com a cooperativa Tierra Común

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Dialogo de Saberes com Martha Esperilla e Imelda Montiel, cooperativa Tierra Común *

Boa tarde, sou Paola Ricaurte, cofundadora com Nick Couldry e Ulises Mejías, da rede Tierra Común, um espaço dedicado a explorar, coletivamente, formas de descolonizar dados.

Hoje lançamos o primeiro episódio da série de conversas Diálogo de Saberes, com o objetivo de reunir os testemunhos de pessoas e comunidades que atuam em diferentes esferas na construção de mundos dignos e tecnodiversos.

É por isso que estou muito feliz que nosso primeiro diálogo seja com uma organização irmã, a cooperativa mexicana Tierra Común. Estão conosco hoje Martha Esperilla e Imelda Montiel. Olá Martha, Imelda, é um prazer estar aqui hoje conversando com vocês. Para começar, gostaria que vocês se apresentassem e nos contassem um pouco sobre o que fazem.

## O que é a cooperativa Tierra Común?

Somos uma cooperativa tecnológica. Estamos empenhadas em trabalhar na implementação e formação em várias tecnologias, e embora nem todas as tecnologias com que trabalhamos sejam gratuitas, também buscamos, no pouco trabalho que temos desenvolvido principalmente na Web, que sejam também com tecnologias abertas.

A cooperativa está formalmente constituída. Buscamos trabalhar com os princípios do cooperativismo que são:

  • Livre adesão,

  • Controle democrático,

  • Participação econômica,

  • Autonomia e independência,

  • Educação,

  • Cooperação entre coletivos, e

  • Interesse pela comunidade.

Trabalhar e nos organizarmos coletivamente e de forma autônoma representou, e representa, para nós, um desafio diário.

A sociedade de hoje não nos treina para o trabalho associado a isso. Trabalhar sem patrão e organizar-se de outra forma também significa enfrentar novos problemas na tomada de decisões, na organização do trabalho, na distribuição das rendimentos obtidos, no crescimento da cooperativa, na integração dos colegas da área, entre tantos outras questões.

## O que o Tierra Común faz?

Nos dedicamos a realizar:

- assessorias e diagnósticos de segurança digital,

- protocolos de segurança informática

- instalação de infraestrutura,

- capacitação e acompanhamento em processos de segurança digital,

- suporte técnico,

- serviços web,

- design gráfico e gráficos em geral.

## Qual é a história da cooperativa Tierra Común?

O Tierra Común surgiu quando juntamos algumas pessoas que conhecemos no Hackerspace “Rancho Eletrónico” e que travalhavam, naquela época, com uma ONG, dando suporte técnico em software livre. Aos poucos fomos ampliando os serviços que prestávamos ou nos aprofundando e nos especializando, em todos os ramos dos nossos serviços.

Há 6 anos que trabalhamos e atualmente somos 6 integrantes na cooperativa. Às vezes colaboramos com outras e outros colegas, organizações ou coletivos.

## Quais foram as nossas motivações?

Nos encontramos no Rancho Electrónico. A maior parte de nós colaborou neste hackerspace. A partir daí é que surgiu a iniciativa de nos envolvermos em um projeto econômico que correspondesse a certos ideais, que nos permitisse sustentar economicamente nossa vida por meio de uma forma mais horizontalizada de organização.

Essa forma de organização que vivenciamos no hackerspace é muito orgânica e horizontal. Nós, integrantes daquilo que veio a ser a cooperativa, procuramos continuar a trabalhar de forma semelhante, com assembleias regulares, com listas de emails, com esta questão de assumir tarefas e não de as impor, etc. No final, a cooperativa permitiu que nós nos organizássemos horizontal e democraticamente. Por isso escolhemos essa figura jurídica para o nosso projeto.

A cooperativa é uma forma diferente de entrar no sistema, que não obedece de fato aos modelos convencionais de exploração. Não temos empregadxs, mas sim colaboradorxs. Mas não de forma sistemática ou regular.

Também tentamos gerir a cooperativa em uma mistura entre democracia e consenso. Sabemos que na maioria das empresas clássicas o importante é aumentar os lucros para aitingir níveis elevados sem considerar os trabalhadorxs. Em princípio, buscamos gerar benefícios para ambos os associados, sabendo que o que podemos acumular é para nós mesmos, na forma de benefícios, fundos, etc. Mas também (algo característico das cooperativas) é que elas devem relatar um benefício para a sociedade.

Outra coisa que poderíamos pagar nesse sentido é que o interesse da cooperativa Tierra Común é o de divulgar ferramentas de segurança digital através de software livre. Por exemplo, temos colegas com projetos como o Tails. Também temos interesse em fazer parte das decisões que tomamos em relação ao nosso relacionamento com a cooperativa binacional “Primero de Mayo” por exemplo.

Especificamente, parece-me que a motivação para nós é de fazer parte de algo que nos envolva em vários processos – o que nos permita propor mudanças a partir de dentro e sermos entidades ativas na direção que caminhamos como cooperativa.

## Qual a particularidade do nosso Projeto?

Embora sejamos uma microempresa cooperativa, que também tem uma estrutura verticalizada, procuramos realizar assembleias onde, em princípio, temos a mesma possibilidade de participar, que nossas opiniões sejam levadas em consideração e o mesmo voto para certas decisões, trata-se de um desafio diário como comentamos anteriormente, pois ninguém nos formou como sociedade coletiva. Além disso, que é organizacional, também temos autonomia para decidir com quem queremos trabalhar ou não.

Somos uma cooperativa tecnológica, na maioria das vezes o que vemos são cooperativas familiares, alimentos, produtos artesanais, agricultura ou similares, e por outro lado as tecnologias são trabalhadas por empresas que trabalham com uma visão capitalista, nesse sentido, nós estamos no meio, porque se somos uma empresa mas procuramos trabalhar com os princípios cooperativos de que já falamos.

## Como é possível trabalhar com tecnologias à partir de outros paradigmas?

Estamos aguardando e divulgando tanto os softwares que algumas comunidades do sul global estão desenvolvendo, quanto projetos e organizações que fortalecem a soberania tecnológica, como MayFirst, Libre Router, TIC-AC.

E algo que também temos que decidir no dia a dia é de trabalhar ou não, ou o menos possível, com tecnologias hegemônicas, monopolistas e centralizadas.

## A Cooperativa e abordagem do feminismo

Acreditamos que, tanto os feminismos como a segurança digital, são um processo coletivo e de longo prazo, e que podem ser transformados. Nós como colegas que nos identificamos como mulheres na cooperativa estamos nos formando. Procuramos trabalhar algumas questões de género para que nos sintamos em um espaço em que nós possamos nos desenvolver profissionalmente e pessoalmente. Também esperamos que seja um espaço em que outras mulheres também possam aderir, sentir-se à vontade e ter a certeza de que são reconhecidas, validadas e eles preservam nossos direitos dentro dela. Atualmente nos espaços em que vemos que podemos crescer em número dentro da cooperativa, contemplamos exclusivamente mulheres nesse processo, e isso em particular parece essencial para nós, companheiras, e é algo que os companheiros também reconheceram. Isso não responde a cotas de gênero, mas a uma necessidade de mudança positiva dentro da cooperativa, para poder diversificar e desestereotipar o discurso predominantemente masculino das tecnologias e, nesse sentido, é uma contribuição concreta para o reconhecimento de nós como mulheres. nesse campo tecnológico, mas que além de vê-lo como algo com que contribuímos, é algo que certamente nos enriquecerá como cooperativa.

* Esta é uma versão abreviada da entrevista original em espanhol.

Paola Ricaurte

Paola Ricaurte Quijano es Doctora en Ciencias del Lenguaje en la línea de Análisis del Discurso y Semiótica de la Cultura por la Escuela Nacional de Antropología e Historia. Es profesora investigadora asociada del Departamento de Medios y Cultura Digital de la Escuela de Humanidades y Educación del Tecnológico de Monterrey y Faculty Associate del Berkman Klein Center for Internet & Society de la Universidad de Harvard, donde participa en el grupo de trabajo sobre Desinformación.

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